Interrompidos - Alê Motta
Eu pretendia fazer um texto direto, econômico como os contos de Interrompidos. A ideia era tentar impregnar meu texto com a pegada do livro, o que resultou em fracasso. Pessoas diferentes, jeitos diferentes. Acho difícil essa coisa de escrever resenhas impessoais e técnicas, sem misturar ao texto as circunstâncias em que li ou tomei ciência dos livros, sem fazer da resenha uma espécie de relato pessoal. Para emular Interrompidos, seria necessário um distanciamento. Seria preciso, acima de tudo, ser econômico.
Interrompidos é o livro de estreia da Alê Motta, que tive a felicidade de conhecer em uma das oficinas de literatura da Estação das Letras aqui no RJ. Fiquei impressionado com a exatidão e o sintetismo dos textos que ela trazia nas aulas. Também me chamou a atenção a ironia presente nos contos, a combinação certeira entre o trágico e o cômico que arrancava da turma gargalhadas e olhares de espanto. Era o livro tomando corpo, conquistando seus primeiros leitores.
A coletânea saiu pela editora Reformatório mais de um ano depois. Fui ao lançamento, garanti meu exemplar e, ainda na fila para o autógrafo, li alguns dos contos, relembrando as aulas e essa linha tênue entre a tragédia e o humor. O livro é curto, pouco mais de 100 páginas. Dava para terminar a leitura ali mesmo, na fila para o autógrafo (que estava grande). Mas li apenas alguns contos, fechei o exemplar e fiquei esperando minha vez. Pensando sobre o que tinha lido, tentei resgatar de onde eu conhecia aquela amálgama que era tão familiar. Cheguei a Nelson Rodrigues e supus uma aproximação. Não sei se a Alê é leitora do Nelson, mas vou perguntar na primeira oportunidade.
Os contos do livro, com poucas exceções, são narrados em primeira pessoa. Curtos, alguns chegam a ter apenas um parágrafo. São tradicionalmente microcontos, amostras irrepreensíveis de como trabalhar as tramas de maneira concisa. Em tempo de aversão aos spoilers, Alê resolve a questão logo no título: as vítimas não têm qualquer chance de sobrevivência. A dualidade do título é certeira: a interrupção na vida dos personagens também vale para as narrativas. É o grande mérito da coletânea: contar o mínimo, traçar o contorno do enredo e encerrar na navalha para dar espaço a quem está com o livro em mãos. Interrompidos é um convite para uma ação entre autor e leitor.
A edição caprichada do livro é complementada com fotos em preto-e-branco tiradas pela própria autora e distribuídas ao longo do livro. São catedrais sombrias, cemitérios e capelas; uma sombra no muro, longas escadarias e uma ponte deserta. Cenários ideais para ilustrar os atos vis cometidos pelos personagens do livro.
Reli Interrompidos antes de escrever a resenha, tendo o cuidado de observar se o livro resistia ao efeito de saturação que prejudica algumas coletâneas. O leitor, após tantas narrativas em sequência, vai sacando a estrutura e acaba por intuir os encerramentos e as viradas das tramas, percebe a sombra à espreita. A habilidade da autora, contudo, não permite que o leitor tenha essa impressão. O golpe vem, estamos esperando, mas quando surge, irrompe de um ângulo novo. Na última frase, na vírgula final. Alê é engenhosa e se aproveita da inteligência do leitor, desconstrói o próprio esquema, trazendo conclusões que destoam do restante. A ordem dos contos é fundamental neste aspecto e ajuda a fazer tal desconstrução. Em “Órfãos”, um dos meus contos preferidos do livro (vou aproveitar para entregar uma das histórias aqui, pule para o próximo parágrafo se preferir não saber), a surpresa está justamente no fato de que o personagem não morre no final. A fatalidade dos contos anteriores me levou a intuir que o encerramento seguiria o molde dos anteriores, mas a autora subverteu o padrão estabelecido para dar ao texto outro fechamento.
Interrompidos não foi surpresa para mim, que já conhecia parte do repertório da Alê. E ainda assim, me peguei desprevenido ao longo da leitura. É um livro divertidíssimo e mordaz que cobra criatividade do leitor para elucidar as tramas a partir de elementos mínimos. São textos que exigem um leitor participativo, que entre no jogo da literatura a partir de sugestões. Quase não há respostas prontas ou finais explicados. Interrompidos cobra, mas também entrega.
Interrompidos é o livro de estreia da Alê Motta, que tive a felicidade de conhecer em uma das oficinas de literatura da Estação das Letras aqui no RJ. Fiquei impressionado com a exatidão e o sintetismo dos textos que ela trazia nas aulas. Também me chamou a atenção a ironia presente nos contos, a combinação certeira entre o trágico e o cômico que arrancava da turma gargalhadas e olhares de espanto. Era o livro tomando corpo, conquistando seus primeiros leitores.
A coletânea saiu pela editora Reformatório mais de um ano depois. Fui ao lançamento, garanti meu exemplar e, ainda na fila para o autógrafo, li alguns dos contos, relembrando as aulas e essa linha tênue entre a tragédia e o humor. O livro é curto, pouco mais de 100 páginas. Dava para terminar a leitura ali mesmo, na fila para o autógrafo (que estava grande). Mas li apenas alguns contos, fechei o exemplar e fiquei esperando minha vez. Pensando sobre o que tinha lido, tentei resgatar de onde eu conhecia aquela amálgama que era tão familiar. Cheguei a Nelson Rodrigues e supus uma aproximação. Não sei se a Alê é leitora do Nelson, mas vou perguntar na primeira oportunidade.
Os contos do livro, com poucas exceções, são narrados em primeira pessoa. Curtos, alguns chegam a ter apenas um parágrafo. São tradicionalmente microcontos, amostras irrepreensíveis de como trabalhar as tramas de maneira concisa. Em tempo de aversão aos spoilers, Alê resolve a questão logo no título: as vítimas não têm qualquer chance de sobrevivência. A dualidade do título é certeira: a interrupção na vida dos personagens também vale para as narrativas. É o grande mérito da coletânea: contar o mínimo, traçar o contorno do enredo e encerrar na navalha para dar espaço a quem está com o livro em mãos. Interrompidos é um convite para uma ação entre autor e leitor.
A edição caprichada do livro é complementada com fotos em preto-e-branco tiradas pela própria autora e distribuídas ao longo do livro. São catedrais sombrias, cemitérios e capelas; uma sombra no muro, longas escadarias e uma ponte deserta. Cenários ideais para ilustrar os atos vis cometidos pelos personagens do livro.
Reli Interrompidos antes de escrever a resenha, tendo o cuidado de observar se o livro resistia ao efeito de saturação que prejudica algumas coletâneas. O leitor, após tantas narrativas em sequência, vai sacando a estrutura e acaba por intuir os encerramentos e as viradas das tramas, percebe a sombra à espreita. A habilidade da autora, contudo, não permite que o leitor tenha essa impressão. O golpe vem, estamos esperando, mas quando surge, irrompe de um ângulo novo. Na última frase, na vírgula final. Alê é engenhosa e se aproveita da inteligência do leitor, desconstrói o próprio esquema, trazendo conclusões que destoam do restante. A ordem dos contos é fundamental neste aspecto e ajuda a fazer tal desconstrução. Em “Órfãos”, um dos meus contos preferidos do livro (vou aproveitar para entregar uma das histórias aqui, pule para o próximo parágrafo se preferir não saber), a surpresa está justamente no fato de que o personagem não morre no final. A fatalidade dos contos anteriores me levou a intuir que o encerramento seguiria o molde dos anteriores, mas a autora subverteu o padrão estabelecido para dar ao texto outro fechamento.
Interrompidos não foi surpresa para mim, que já conhecia parte do repertório da Alê. E ainda assim, me peguei desprevenido ao longo da leitura. É um livro divertidíssimo e mordaz que cobra criatividade do leitor para elucidar as tramas a partir de elementos mínimos. São textos que exigem um leitor participativo, que entre no jogo da literatura a partir de sugestões. Quase não há respostas prontas ou finais explicados. Interrompidos cobra, mas também entrega.
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