Pretérito Imperfeito – Gustavo Araujo
Em uma entrevista para o jornal El
País em 2015, Harold Bloom foi categórico: não há nada de radicalmente novo na
literatura. Não é uma afirmação surpreendente, considerando o autor da citação,
mas será verdade? Então tudo já foi feito e só resta a repetição? Nada além de
Prost, Kafka ou Beckett, só para citar autores admirados por Bloom?
Eu
não sabia o que esperar quando peguei o livro de Gustavo Araujo para ler.
Conheço o autor através do Entrecontos, site para escritores e leitores que o
ele administra. Eu havia acabado de lançar meu segundo livro e já estava
interessado em ler um trabalho maior do Gustavo há algum tempo, motivado pela
qualidade dos contos dele que li. Fiz o que muitos escritores fazem: perguntei se ele não gostaria de fazer uma permuta. Eu enviaria um
exemplar de Chame Como Quiser e ele me encaminharia uma cópia de Pretérito
Imperfeito. É uma maneira de fazer o trabalho circular e de apreciar o que
nossos contemporâneos estão produzindo. Além de “economizar” uma grana.
Recebi o livro quase uma semana depois do trato. Comecei a leitura no saguão do
aeroporto a caminho de São Paulo, voo cancelado e remarcado para mais de uma
hora depois do horário original. Tirando o prólogo, que achei de uma beleza cativante,
as primeiras páginas me fizeram ter a sensação de estar pisando em terreno
conhecido. De fato, o livro de Gustavo tem aquela pegada ágil que força o
leitor a virar uma página atrás da outra. Os elementos estão bem encaixados, os
personagens são carismáticos e trama vai ganhando corpo conforme a progressão. Li
umas 60 páginas até chamarem para o voo. Tão distraído que estava com a narrativa, nem vi que a Fernanda Lima sentada ao meu lado (só fui perceber quando
algumas pessoas vieram tirar fotos com ela).
Conhecemos o protagonista no primeiro capítulo, um jovem de 13 anos que tem dificuldades com a
leitura. O livro parte justamente do dia em que ele pretende dar um novo rumo à
sua relação com a leitura. A noite anterior em frente ao livro seria sua garantia. Leria o trecho escolhido pela professora de maneira fluente e sem gaguejar.
Ele começa bem, mas um de seus colegas atrapalha (intencionalmente) sua
leitura e tira Toninho do rumo. A conclusão é desastrosa. No capítulo seguinte,
o livro se utiliza do formato epistolar, uma carta de Cecília para uma amiga chamada
Carol. Cecília também tem 13 anos e é mostrada como uma adolescente interessada
pelos livros e pela música. Há também uma pincelada de sua relação com o pai na
primeira carta. O livro segue alternando entre Toninho e de Cecília, esta
última sempre através das cartas que ela escreve para a amiga Carol. Conhecemos
a vida simples do Toninho, seu interesse pelos pássaros, a perda da mãe e o
relacionamento distante que tem com o pai. Do lado de Cecília, um mistério: a
menina desconfia que algo perigoso ou estranho está acontecendo com seu pai.
O livro de
Gustavo é, de fato, um romance de formação, contemporâneo na linguagem e
versátil por se apoiar em mais de uma estrutura narrativa durante suas 280
páginas. Há espaço até para a inserção de um conto no meio do livro, fruto da
imaginação de Cecília, que tem desejo de ser escritora. É um conto singelo, que faz
a trama girar e não está ali gratuitamente. Há uma conexão justíssima do texto com
a relação entre Cecília e Toninho. Há também um pano de fundo histórico, uma
visita à época da ditadura militar e suas figuras históricas que tem
interferência direta na vida dos adolescentes. Tais trechos trazem as partes
mais tensas do livro, quando o romance toma ares de suspense e agarra o leitor
por páginas e páginas.
Nada no livro de
Gustavo é por acaso. No fim, todas as peças se encaixam com convicção. Há espaço até mesmo para uma intervenção do fantástico na trama. Ler Pretérito Imperfeito
foi como voltar a um local importante da infância, um terreno conhecido que
traz algo novo porque se trata de uma visita feita anos depois. O tempo é
implacável: tudo é familiar, mas a configuração já não é mais a mesma. Pretérito
Imperfeito junta com maestria muito do que já foi feito: os personagens infantis
cativantes, as subtramas, o contexto político, a tensão da resolução de um
mistério e as relações familiares. Tudo revisitado, reformulado e com novas
tintas. Voltamos então a Harold Bloom. Eu me diverti e me emocionei com Pretérito
Imperfeito de uma maneira que não acontecia com muitos livros supostamente experimentais.
“Não há nada radicalmente novo na literatura”. Talvez não seja necessário. Ou, pelo menos, obrigatório.
Comentários
Postar um comentário