Sr. Bergier & outras histórias

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Quando comecei a ler Sr. Bergier e outras histórias tive a impressão que o autor se apoiaria na tradição de fantástico maravilhoso para compor seus contos. Enganei-me. Apesar das pinceladas do fantástico latino americano estarem presentes na obra, há certo desprendimento no conjunto, a liberdade de quem se debruça sobre as tradições e dá um pequeno aceno. Um amigo disse certa vez (provavelmente repetindo algo que haviam lhe dito antes): a boa literatura é aquela difícil de classificar. Como todo aforismo, enganos e acertos, mas talvez sirva ao caso de Sr. Bergier, um livro difícil de catalogar. O primeiro conto é um exemplo. Poderia ser apenas mais um texto a resgatar a temática do duplo. Borges fez, Saramago fez e foi repetido inúmeras vezes pelo cinema. Sr. Bergier poderia ser apenas mais um nessa lista interminável, mas o flerte com o sci-fi traz uma base científica para justificar o fenômeno da multiplicação do protagonista. É válido, curioso e intrigante.

Versatilidade talvez seja uma boa palavra. Se Anderson vai ao duplo para compor o primeiro texto, O presente de Evaristo, segundo conto do livro, vai ao terror buscar inspiração. O encerramento trágico remete a Poe e Hitchcock. Os traços estão todos lá: a construção cadenciada, o clima crescente e a tensão mantida até a conclusão. No conto seguinte, O bibliotecário, não é o fantástico quem dá as cartas. Trata-se de uma história melancólica e realista que chama o leitor à reflexão. Há quem acredite que não há função na literatura. Talvez. Que seja então a fagulha a explodir a pólvora acumulada ao longe dos anos.

No conto A máquina, o autor volta ao tema do duplo com os mesmos relances de ficção científica que encontramos no primeiro texto da coletânea e segue nessa pegada nos contos O sonho e The New York Times, narrativa que possui um parágrafo de abertura espetacular. Nesse último, o duplo aparece em versões distintas do mesmo jornal. Em uma delas a bolsa de valores despenca; na outra, está em alta. Uma divergência catastrófica. Não por acaso, o texto é apresentado com uma epígrafe retirada do livro do Apocalipse.

“As catedrais faziam sombra sobre os corpos e carros, que vistos de cima, lembravam um imenso formigueiro. Acima das catedrais homens e máquinas tramavam o mundo de amanhã, embora não se pudesse ouvir das ruas o som de dentes de ferro perfurando papéis, sabia-se que lá, acima dos olhos daqueles que caminhavam sobre o asfalto, homens apregoavam às máquinas o novo evangelho.”

Como que para enjeitar uma obsessão, o autor encerra o livro com um dos contos mais breves e singelos da coletânea. Em Pétala, a sra. Henriqueta, convencida de que foi rejeitada pela morte, passa seus dias a ler Joyce. Um encerramento poético para um livro que resgata as tradições do fantástico e adiciona (ou duplica) algumas de suas variáveis.

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